Coração rasgado, corpo elétrico em brasa, ferro derretido. Se há uma imagem adequada para definir a abertura
da nova fase do cantor e compositor pernambucano Romero Ferro, ela está explícita na capa e no encarte de seu
segundo álbum, Ferro, pela arte de Tomaz Alencar sobre fotos de Lana Pinho. Efeitos de luz néon, figurinos e um
colorido cítrico e intenso remetem à new wave da década de 1980, que também está na base da sonoridade do
álbum, bem distinta do anterior, Arsênico (2016). “Esse é um trabalho em que realmente permiti que meu coração
fosse aberto de forma muito honesta, falando sobre meus sentimentos, minha sexualidade, meus posicionamentos
políticos sem medo”, diz Romero.

Nascido em Garanhuns, interior de Pernambuco, Romero vem de família tradicional e teve uma criação rígida.
“Esse coração de ferro simboliza isso. Eu estava ali meio duro, e agora estou me deixando mergulhar mais e falando
da minha vida, do que eu sou. A gente precisa sofrer pra aprender certas coisas. O que não posso é perder a vontade de mergulhar e viver as coisas intensamente”, diz esse fã do “exagerado” Cazuza. Essas revelações dão o tom libertário do álbum, tanto nas letras das canções quanto na sonoridade sem fronteiras. Amor e dor, o corpo e o
prazer são as hastes de sua bandeira.
Referências
Em porções acentuadas de funk, rock e r&b, com Arsênico (produzido pelo baixista e guitarrista carioca Diogo
Strausz, com co-produção do pianista e tecladista pernambucano Amaro Freitas) Romero abriu nova trilha no pop
na vertente brega, que expande consideravelmente no segundo álbum. Repleto de hits potenciais, este é bem
mais eletrônico e dançante (ainda que o primeiro também o fosse), com maior diversidade rítmica e grande soma
de referências que incluem David Bowie, Kraftwerk, Depeche Mode, Reginaldo Rossi, Ritchie, axé music, tecnopop, reggaeton, bolero, house, tecnomelody, funk, pagode, trap e Zezé di Camargo & Luciano.

Cantando melhor e mais seguro agora, Romero acelerou em sua autopista artística sem limite de velocidade
como expoente masculino de maior potencial nesse estilo, que alguns chamam de “brega wave”. Ele – que sentiu,
mas superou, certo desdém até do próprio meio artístico por não seguir certas tradições pernambucanas – prefere “tropical wave” por ser mais abrangente. Se no álbum anterior (gravado em poucos dias) ele assinou sozinho todas as composições, neste – produzido por Leo D. (tecladista do Mundo Livre S.A.) e com direção artística do DJ e produtor Patricktor4 (nascido baiano e cidadão do mundo) ao longo de um ano e meio – ele amplia o conceito de trabalho em colaboração. Uma das faixas (“Quando Ele Perguntar por Mim”) foi produzida por Benke Ferraz (guitarrista da banda goiana de rock psicodélico Boogarins) e gravada em duo com Otto.
Em cinco das nove composições autorais e inéditas, Romero conta com parceiros: os conterrâneos Barro, Duda
Beat e Leo D. (também responsável pela mixagem e masterização do álbum), além do paraense Felipe Cordeiro. Há
também uma reinterpretação estilosa de “Você Vai Ver” (Elias Muniz e Carlos Colla), lançada por Zezé di Camargo e
Luciano em 1994, que remete à infância de Romero. Além de Otto, Duda Beat (outra expoente da brega wave), a
cantora trans Mel (Banda Uó) e o rapper gay baiano Hiran dividem os vocais com ele em outras duas canções.
Ao melhor estilo “pense e dance”, “Fake” toca na questão da ostentação, da mentira e da superficialidade da
comunicação visual propagada nas redes sociais com uma evidente citação de “Let’s Dance” (1983), de David
Bowie. A abolerada “Quando Ele Perguntar por Mim” também tem como tema o fingimento e a mentira numa
relação entre homens. “Love por Você” é um ijexá pop com cara de carnaval baiano, resultado de uma estadia de
Romero em Salvador numa festa de Iemanjá. “Tolerância Zero” (Barro, Felipe Cordeiro e Romero Ferro) é um
manifesto contra a ignorância que recai sobre o que foge dos padrões, pela irreversível soberania da diversidade
de toda forma de amor.
O aprimoramento estético é também resultado de muitos encontros com outros artistas contemporâneos nos
bastidores de festivais de música pelo Brasil, dos quais Romero vem participando e surpreendendo. Patricktor4,
sempre antenado sobre tudo do universo musical, desde linguagens sonoras até questões de mercado, é uma
dessas personalidades com quem ele vinha trocando ideias desde 2017, “um aprendendo muito com o outro”, e,
junto com o empresário e diretor Mauricio Spinelli, o incentivou a circular mais. “A gente sabe que existe no Brasil uma dificuldade muito grande de se compreender pop e de se trabalhar música comercial de uma maneira bem feita, arrojada, mesmo tendo potencial gigantesco para isso. Os americanos, ingleses e suecos fazem isso muito bem. A experiência que eu trago do Pará, por ter trabalhado com Felipe Cordeiro e indiretamente com Gaby Amarantos, por ter contribuído ali para estruturar a cena, me deram suporte para arriscar a fazer esse trabalho com Romero”, diz Patrick. “Partimos de algo que eu imaginava que era a cara dele. Encontrei a intersecção entre o brega e a new wave, que é tanto estética em termos de timbragens quanto é de temática, dessa novela latina que fica falando do amor
incompreendido, de dor-de-cotovelo, da saudade. Isso está na new wave também muito forte. Sugeri a ele fazer
esse encontro que é super ousado”, prossegue Patrick, que cunhou o termo brega wave, mas prefere “onda
nova” para essa fusão.
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